Tribunal de Justiça Empresarial traria inovação e celeridade ao Judiciário
Larissa Milkiewicz*
A busca por uma Justiça célere e eficiente é o maior desafio que o Poder Judiciário enfrenta em escala nacional. A Constituição Federal de 1988 resguarda como direitos e garantias fundamentais a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Os tribunais do comércio fazem parte da história do Brasil (de 1850 a 1875) e eram compostos dos mais renomados homens de negócio, com habitual profissão comercial, localizados nos distritos das respectivas províncias. O resultado desses tribunais foi o aumento da eficiência dos julgados à época, sendo que os processos instaurados, quase em sua totalidade, eram solucionados no mesmo ano[1].
Após o advento da Constituição Federal de 1988, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi pioneiro na instauração de varas empresarias, totalizando sete varas especializadas na matéria. Posteriormente, Belo Horizonte instalou duas varas especializadas, e o Distrito Federal, uma. Quanto à especialidade em segundo grau de jurisdição, apenas o tribunal de São Paulo e o de Santa Catarina têm câmaras especializadas. Certamente, estas são tentativas interessantes, ainda que tímidas, de inovação na matéria.
Em 13 de fevereiro de 2018, o jornal O Estado de S. Paulo publicou a reportagem “Varas empresariais, avanço para o Brasil”. O referido texto explanou que o “Brasil tem-se notabilizado como um país de insegurança jurídica e, por consequência, como um ambiente hostil para atrair investimentos que não busquem especular”[2]. Para compor o estudo reportado, participaram da discussão sobre o tema o presidente do Tribunal de Justiça do São Paulo, o presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo e o presidente da Associação Brasileira de Jurimetria, e restou claro que “a especialização da Justiça é necessidade elementar para uma gestão eficiente, que pode ser traduzida pela alocação adequada de experts para as maiores e mais complexas demandas”[3].
Em nível global, assiste-se a algumas experiências de sucesso, dignas de inspiração. O sucesso do Tribunal de Chancelaria de Delaware, por exemplo, é atribuído à vantagem competitiva do Judiciário, no qual os magistrados são altamente treinados para lidar com litígios empresariais, tendo como uma das consequências a melhor jurisprudência empresarial do país, servindo de referência aos demais estados. Segundo informações da Harvard Business Services, 60% das empresas listadas na Fortune 500[4] estão constituídas em Delaware[5].
Advogados experientes do estado de Delaware recomendam aos seus clientes que constituam empresas nesse local, justamente pela jurisprudência constituída, que se desenvolveu à luz da reputação nacional do Tribunal de Chancelaria.
Nesse sentido também é a inspiração do Dubai International Financial Centre Court (DIFC), que está localizado no meio do imponente centro financeiro da cidade de Dubai. Nesse caso, conforme texto de Vladimir Passos de Freitas na ConJur, há uma primeira instância e um tribunal de apelação, formado por um total de oito magistrados, a maior parte estrangeiros, sendo o presidente oriundo de Singapura[6].
No DIFC, os julgamentos são rápidos, e o tribunal tem os mais avançados recursos tecnológicos do mundo. Dubai inovou com a instalação desse tribunal e assegurou uma Justiça célere e previsível e, como consequência, preservou na cidade os negócios já existentes, despertando também o interesse de outros empresários.
A partir das experiências de sucesso citadas, é possível pensar em soluções interessantes para os estados brasileiros. A esse respeito, vale lembrar que a Constituição de 1988 assegura, em seu artigo 99, a autonomia administrativa e financeira dos tribunais dos estados. Seria plenamente viável, portanto, a instauração de um Tribunal de Justiça empresarial em um estado visionário e inovador.
O tribunal de Justiça empresarial julgaria os processos de primeiro e de segundo grau na mesma unidade física, ou seja, no mesmo imóvel, com andar específico para cada grau da jurisdição, por mais que os processos sejam eletrônicos. Essa medida iria disseminar autenticidade e celeridade processual para o modelo adotado e, comumente, instalado no Poder Judiciário do Brasil.
Essa proposta visa manter a missão, visão e valores do Poder Judiciário. A instauração do modelo proposto sugere, porém, uma localização distinta da sede do Tribunal de Justiça do estado, com o propósito de evidenciar a inovação almejada para o Poder Judiciário.
Além disso, sugere-se que os assessores dos magistrados tenham a formação de bacharel em Direito, mas se recomenda que pelo menos dois dos assessores, efetivos ou comissionados, tenham formação e prática em Ciências Contábeis e Administração, com a finalidade de proporcionar suporte técnico ao magistrado que irá proferir decisões, tal como acontece no Tribunal de Direito Ambiental de Santiago, no Chile[7].
Seguramente, o estabelecimento do tribunal de Justiça empresarial seria uma medida destacável no cenário nacional, uma vez que promoveria inovação, celeridade e efetividade ao Poder Judiciário. Além disso, essa proposta materializa incentivos empresariais para os estados, propiciando o aumento da geração de empregos; maior arrecadação de tributos; redução da desigualdade; e utilização dos arranjos produtivos do ente estatal, particularmente em razão da Justiça célere e especializada do tribunal de Justiça empresarial.
Assim, o tribunal de Justiça empresarial reduzirá o custo empresarial e fomentará novas empresas no território, pois haverá especialidade técnica, previsibilidade e celeridade nos julgamentos da matéria empresarial do estado. Esse interesse não é apenas do Poder Judiciário do ente estatal, mas também da associação do comércio, entidades privadas e profissionais.
A globalização econômica é um fator incontestável da atualidade e “se caracteriza pela rapidez nas comunicações e por um grande desenvolvimento da infraestrutura (telefonia celular, televisão por satélite, transportes em larga escala etc.)”[8], exigindo uma postura célere e eficaz do Poder Judiciário. O tribunal de Justiça empresarial caminha no mesmo sentido da globalização e se destaca no cenário nacional pela renovação do Poder Judiciário do estado inovador e visionário que implemente essa proposta.
Há necessidade de se adaptar a globalização econômica às necessidades atuais, caso contrário, a “sociedade sofrerá notório prejuízo econômico e os litigantes evitarão, até onde possível, o ingresso no Poder Judiciário, transformando este Poder em opção de solução apenas de pequenos conflitos”[9].
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[1] CAMARGO, Angélica Ricci; CABRAL, Dilma. Guia da administração brasileira: Império e Governo Provisório (1822-1891). Dados eletrônicos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2017. Disponível em: <http://mapa.an.gov.br/images/publicacoes/guia/files/assets/common/downloads/publication.pdf>. Acesso em: 26.fev.2018.
[2] Por especular, entende-se buscar ganhos financeiros de curto prazo em detrimento do ato de investir e fomentar o crescimento da economia a longo prazo.
[3] BRASIL. O Estado de S. Paulo. Varas empresariais, avanço para o Brasil. A2. Espaço aberto. Terça-feira, 13 de fevereiro de 2018.
[4] Fortune 500 é uma classificação das 500 maiores corporações do mundo, levando em consideração a respectiva receita.
[5] HAVERD BUSINNES SERVICES. Una guía privilegiada: toda lo que debe saber antes, durante y después de la constitución de una entidad comercial. Disponível em: <https://www.delawareinc.com/brochure/insiders_guide_spanish.pdf>. Acesso em: 12.fev.2019.
[6] CONJUR. O sistema judicial dos Emirados Árabes, com foco em Dubai. Por Vladimir Passos de Freitas, 15 de dezembro de 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-dez-15/ultima-leitura-sistema-judicial-emirados-arabes-foco-dubai>. Acesso em: 13.fev. 2019.
[7] IBRAJUS: o Tribunal pertence ao Poder Judiciário? Como é a estruturação administrativa e de pessoal? R. Apesar dos Tribunais Ambientais serem especializados e autônomos, com personalidade jurídica própria, estão sujeitos à direção administrativa, correcional e econômica da Corte Suprema. A estrutura de pessoal de cada Tribunal contém um Secretário graduado em Direito, dois relatores, dois profissionais de áreas científicas e um pequeno número de funcionários administrativos. INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO. Entrevista Ministro Jose Ignacio Marquez Vasquez. Presidente do Segundo Tribunal Ambiental do Chile. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br/revista/entrevista.asp?idEntrevista=55>. Acesso em: 13.fev.2019.
[8] CONJUR. Complexidade do comércio internacional pede a criação de varas empresariais. Por Vladimir Passos de Freitas, 29 de maio de 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-mai-29/segunda-leitura-comercio-internacional-criacao-varas-empresariais>. Acesso em: 17.fev.2019.
[9] CONJUR. Complexidade do comércio internacional pede a criação de varas empresariais. Por Vladimir Passos de Freitas, 29 de maio de 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-mai-29/segunda-leitura-comercio-internacional-criacao-varas-empresariais>. Acesso em: 17.fev.2019.
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* Saiba mais sobre o Autor:
Larissa Milkiewicz é Advogada do Escritório Milkiewicz Advocacia, Doutoranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUCPR e Mestre em Direito.
- Artigo publicado na Revista Consultor Jurídico – CONJUR, em 07 de março de 2019.
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