Como o novo marco do saneamento afeta os lixões no Brasil
Mariana Gmach Philippi*
Larissa Milkiewicz*
O Projeto de Lei (PL) nº 4.162/2019, referente ao novo marco legal do saneamento básico brasileiro, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 19 de dezembro de 2019, e agora aguarda a análise do Senado Federal.
Há imensas expectativas positivas deste novo marco legal, dentre elas, a universalização dos serviços de saneamento até 2033 por meio da disponibilização de água potável à 99% da população, a garantia de coleta e tratamento de esgoto para 90% dos brasileiros e R$ 600 bilhões em investimentos na infraestrutura relacionada ao saneamento no país.
Em que pese os bons resultados esperados a partir do advento do novo marco legal, é importante observar os reflexos secundários que o PL nº 4.162/19 pode vir a desencadear. Nesse aspecto, destaca-se a destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos no Brasil.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) dispõe sobre o gerenciamento de resíduos sólidos e, também, sobre a distribuição de rejeitos em aterros sanitários, a fim de evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e minimizar os impactos ambientais.
De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o prazo fatal para extinção dos lixões e implementação dos aterros sanitários era 2014. Contudo, muitos municípios não conseguiram se adequar à norma e o prazo legal foi prorrogado.
Segundo o Panorama 2018/2019 da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), “a destinação adequada em aterros sanitários recebeu 59,5% dos resíduos sólidos urbanos coletados: 43,3 milhões de toneladas, um pequeno avanço em relação ao cenário do ano anterior. O restante (40,5%) foi despejado em locais inadequados por 3.001 municípios”.
Diante da permanência da existência de lixões nos municípios brasileiros, o PL nº 4.162/19 estabelece novo prazo para que as municipalidades se adequem à norma e implementem aterros sanitários ambientalmente adequados. Conforme sugere a proposta de novo marco, os novos prazos variam de agosto de 2021 e agosto de 2024, a depender do porte do município. Para usufruir da extensão no prazo, é necessário que os municípios tenham elaborado planos de gestão de resíduos sólidos e disponham de taxas ou tarifas para sua sustentabilidade econômico-financeira.
Além disso, nos casos em que a implementação de aterros se mostrar economicamente inviável, o PL nº 4.162/19 autoriza que se adotem outras soluções, desde que observem normas técnicas e operacionais e que garantam a mitigação de danos ambientais e à saúde pública.
Observa-se, assim, que, para além de trazer importantes alterações nas normas que tutelam o saneamento básico no Brasil, o PL nº 4.162/19 impacta diretamente na gestão e destinação dos resíduos sólidos. É importante lembrar que desde 1998 a disposição de resíduos sólidos em lixões é crime (Lei de crimes ambientais). Apesar disso, a destinação inadequada de resíduos permanece como fonte de inúmeros problemas ambientais e sociais no contexto brasileiro, deixando uma cicatriz na tentativa de equacionar o progresso econômico e a preservação do meio ambiente.
Não se trata de discutir se a ampliação do prazo para extinção dos lixões é positiva ou não – a resposta a esse questionamento demanda a análise de diversas vertentes (sociais, econômicas, políticas, ambientais). O fato é que, com a nova prorrogação do prazo, a obrigação legal de uma gestão de resíduos eficaz, responsável e segura para o meio ambiente e para a sociedade permanece, uma vez mais, como um ideal ainda inalcançável à sociedade brasileira.
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* Saiba mais sobre os Autores:
Mariana Gmach Philippi é Advogada, Doutoranda em Direito Socioambiental e Sustentabilidade pela PUCPR, com foco em gestão de resíduos sólidos e energia renovável, e Mestre em Direito.
Larissa Milkiewicz é Advogada do Milkiewicz Advocacia, Doutoranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUCPR e Mestre em Direito.
- Artigo publicado na Revista eletrônica JOTA, em 19 de janeiro de 2020.
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